Inteligência artificial em escolas auxilia educadores e gera debates sobres os limites da tecnologia em sala de aula
O anúncio do governo de São Paulo na semana passada de que aulas digitais serão produzidas pela Inteligência Artificial foi uma novidade que gerou dúvidas e questionamentos, inclusive do Ministério Público. Mas se a tecnologia é apresentada como a última novidade da cultura digital, o seu uso pela gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos) não é um pioneirismo entre as salas de aula brasileira. A IA já é usada em escolas particulares e outras redes estaduais no Brasil, mas nunca sem dispensar a supervisão humana, como também está previsto em São Paulo.
Uma pesquisa da Associação Nova Escola com 20 mil professores mostrou que 65,8% deles já ouviram falar em Inteligência Artificial e a utilizam em sala de aula. As principais finalidades são aprimorar conhecimentos específicos (46,6%), construir planos de aula (47,5%), elaborar novas atividades (37,4%), planejar avaliações (21,5%) e adaptar as aulas para necessidades específicas dos alunos (25,7%).
Entre os benefícios das ferramentas, na visão dos educadores, o maior seria a economia de tempo (45,6%). Em seguida, 25,8% dizem que é o aumento do repertório, 10% acreditam, a personalização do ensino, e 18,4% veem outros benefícios como a ajuda aos alunos.
Limites éticos
Um dos problemas no emprego da tecnologia é a ausência de normas sobre os limites éticos de plataformas como o ChatGPT. Para enfrentar esse vácuo, escolas que optaram por implementar a IA nas atividades têm criado seus próprios manuais de boa conduta para testar o quão benéfico os robôs podem ser ao aprendizado.
Especialistas afirmam que a melhor forma de aprender os limites da inteligência artificial é testando. Em São Paulo, o Liceu de Artes e Ofícios e o Colégio Bandeirantes elaboraram manuais para professores e alunos do 6º ao 9º anos e do ensino médio sobre ferramentas que produzem textos, vídeos e imagens.
O professor de Inteligência Artificial do Liceu de Artes e Ofícios, Lucas Chao, diz que o manual foi criado a partir de perguntas feitas ao ChatGPT sobre como usar a plataforma para produzir conteúdo escolar. Os resultados foram filtrados e adaptados até chegar às normas finais, que consistem em usar a ferramenta apenas para buscar conhecimentos específicos de forma rápida e elaborar atividades criativas com base no tema de cada disciplina.
— O ideal é nunca acreditar 100% na plataforma. O professor precisa estar na ponta para conferir os resultados gerados e passar para os alunos que a IA é apenas uma ferramenta de consulta — recomenda Chao. — É errôneo pensar que a IA deixará o aluno preguiçoso. Ele ainda precisa de fato aprender o conteúdo para depois conseguir fazer a prova, que segue nos moldes tradicionais: papel e caneta.
No Colégio Bandeirantes, além do ChatGPT, programas como ChatPDF, Perplexity, Dall-e, Animated Drawings e Alexa também são usados em todas as disciplinas. De forma geral, servem como buscadores de bibliografias e geradores de imagens. A recomendação para os professores é sempre checar os resultados obtidos. Inclusive as datas, já que algumas plataformas têm contextos atualizados até o ano de 2021. E ficar atento à diversidade das respostas. Aos alunos, cabe usar a IA como suporte de pesquisa e sempre com auxílio do professor.
— Foi organizado um grupo de estudo para todos os professores participarem, investigarem e compartilharem suas impressões. Acreditamos que o local melhor para nossos alunos experimentarem e, talvez, até errarem, é aqui, com a supervisão e apoio dos orientadores — afirma Emerson Bento Pereira, diretor de Tecnologia Educacional.
Na rede estadual paulista, as aulas digitais produzidas pelo IA serão para 3,5 milhões de alunos do ensino fundamental (6º ao 9º ano) e do ensino médio. Nas escolas estaduais do Espírito Santo, a plataforma Letrus analisa os avanços ou dificuldades de cada estudante nas redações. Neste caso, é preciso apenas familiaridade do professor com a IA.
Combate à evasão
O professor da Universidade Federal de Alagoas Ig Ibert Bittencourt, que estuda o desenvolvimento da IA em Harvard, aponta que nas escolas públicas também já há um avanço no uso da tecnologia. Segundo ele, programas brasileiros são desenvolvidos pensando na realidade educacional e de infraestrutura de cada estado. Eles são importantes para gerar conteúdos que representem a população e características do país.
— Cerca de três quartos das escolas brasileiras ainda não têm capacidade digital. Mas a IA está se aprimorando, e estados e municípios precisam propor meios de aderir e capacitar professores. Ela é importante para combater a evasão e equiparar as escolas públicas às privadas — defende.
Como o IA entrou nas disciplinas
- Geografia: O professor tem ajuda nas correções ou para elaborar questões. Por enquanto, a ferramenta não tem resultados satisfatórios para boa parte dos temas pesquisados, apresentando respostas erradas ou defasadas, porque a base de dados da IA foi atualizada até 2021.
- Artes: Criação roteiros e histórias fictícias, personagens, estabelecimento de relações com espaços reais e elaboração de roteiros de visitas a museus. Desenvolvimento da percepção visual de paletas e de materiais de artistas. É importante atentar para o direito autoral.
- Biologia: Busca de conceitos da disciplina e geração imagens de células e plantas.
- Português: Correção e proposta de redações e diferentes estilos de texto.
- Inglês: Criação de rubricas de avaliação, obtenção de frases com o vocabulário que estudam, geração de exercícios de gramática e pesquisas.
- Filosofia: Uma prática já adotada é a entrega de duas dissertações por alunos, em que a primeira, eles podem podem usar abertamente o ChatGPT. Mas na segunda entrega, o aluno é convidado a refletir e criticar o próprio texto anterior.
- Matemática: A IA soluciona equações e mostra o passo a passo da conta. Se gera um resultado errado, a turma se reúne para identificar o problema.